Dezoito dias antes de ser assassinado com um tiro na cabeça, em Cuiabá, o advogado Renato Gomes Nery fez uma representação na OAB-MT pedindo a abertura de um processo disciplinar contra o advogado Antônio João de Carvalho Júnior.
No documento, protocolado no dia 17 de junho, Nery, morto aos 72 anos, cita outros advogados, entre eles o filho de um magistrado e um ex-secretário de Estado, além de um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que teriam agido para prejudicá-lo.
De modo detalhado, ele cita supostas manobras, feitas no curso da tramitação, pelos citados.
Em síntese, Nery acusou o advogado de se apropriar e negociar uma área que ele havia recebido como honorários de ações de reintegração de posse, na qual atuou por mais de trinta anos.
"O relato das questões fáticas que precedem aos fundamentos jurídicos faz remissão a uma longa história sobre três processos, um deles tramitando há quase 40 anos", escreveu, citando os processos nº 000739-22.2007.8.11.0106 (código 67.107), nº 1012682-97.2019.8.11.0041 e nº 1011767-09.2023.8.11.0041.
"São esses processos de explanação necessária, em tanto demorada, para aclarar o objeto da representação, mesmo se primando pela mais aplicada síntese na colocação dos temas. Daí a justificativa adrede apontada que tem o escopo de afastar qualquer sintoma de abuso com tomada de tempo em vão na leitura da exposição fática, razão pela qual se pede vênia e tolerância para demonstrá-las", escreveu.
2.579 hectares
O embate entre Nery e Antonio João tem relação com uma demanda possessória de uma fazenda que corria na Justiça desde 1988, inicialmente na Comarca de Barra do Garças.
A ação discutia a posse de uma área rural de 12.341 hectares. Como pagamento pelos serviços prestados, Nery conta ter recebido uma área de 2.579 hectares.
Conforme a representação, Antônio João entrou na Justiça requerendo a nulidade das cessões das terras para o nome de Nery.
"E o primeiro [Antonio João] aos tropeços e chicana ajuizou uma hipócrita Ação de Nulidade das Cessões passadas por seu marido há mais de 20 anos ao advogado Renato G. Nery, nos autos de reintegração de posse, Autos de n. 1012682-97.2019.8.11.0041 – 9ª Vara Civil da Comarca de Cuiabá-MT", diz a representação.
“De outra largada passou a alimentar a teratológica ação de nulidade das cessões proposta por seu colega imputando crime de falsidade e estelionato ao advogado Renato no patrocínio da demanda”, reclamou.
"Embusteiro"
“O Representado (Antônio João), aos olhos de qualquer principiante, na profissão que exerce nos processos mencionados revela ação de embusteiro e não de advogado que tem o dever de instruir a parte”.
A representação sustenta que o desembargador teria atuado em favor de Antonio João.
“No curso do processo nada foi capaz de deter a atuação do desembargador, nem mesmo arguição de suspeição, representação disciplinar ou outro recurso, todos usados para afastá-lo do julgamento”, escreveu.
Nery também apontou a ocorrência de uma susposta manobra para que o desembargador virasse relator das ações derivadas da reintegração de posse.
“O empenho deste membro da Corte apontou a trilha e o caminho da chicana jurídica para reformar, em Embargos de Declaração, um recurso de apelação unanimemente julgado pelo Colegiado Civil da Corte Estadual", escreveu na representação, afirmando que na sequência o advogado Antônio João de Carvalho Júnior coordenou a suspeição de um desembargador, que se seu deu por suspeito, deixando a relatoria do processo com a formação da câmara estendida.
Segundo ele, nestas circunstâncias, um outro desembargador "se arvorou em relator e passou a rei das ações derivadas da reintegração de posse que ele julgou em primeira instância, abraçando a advocacia chicaneira do advogado Antônio João de Carvalho, ora Representado”.
Duas decisões: "façanha jurídica"
O advogado assassinado também citou uma decisão de primeira instância, classificada de "estranha façanha jurídica", que produziu duas sentenças.
"O primeiro veredicto vaticinava a improcedência do pedido; e o segundo, publicado 10 (dez) dias depois, ao contrário, proclamava a procedência do mesmo pleito condenando os réus (Renato e Luiz), cessionários da posse, na forma pleiteada", diz a representação.
"Em recurso de apelação, por unanimidade, prevaleceu a primeira sentença julgando o pedido improcedente, mesmo diante da atuação de renomados juristas, contratados para reforçar a trama, embora tenham eles defendido o absurdo. Não imperou aí, também, as forças estranhas que, diante de tanto absurdo jurídico deve ter interferido na produção das 2 (duas) sentenças antagônicas prolatadas e publicadas em datas diferentes pela Juíza singular", disse Nery.