Com mais de 25 anos de experiência em gestão de seguradoras e operadoras de saúde, o consultor Paulo Brustolin é um dos responsáveis para que a Unimed Cuiabá consiga superar uma de suas maiores crises após identificação de um rombo contábil de R$ 400 milhões deixado pela antiga gestão.
Após meses debruçados nos números da cooperativa, o executivo disse que a situação financeira está estabilizada e com equilíbrio econômico.
Conforme Brustolin, em 2024 a Unimed Cuiabá terá um resultado superior a R$ 95 milhões.
Ainda na entrevista, Brustolin aponta que o futuro da saúde suplementar é promissor, mas que depende cada vez mais de um trabalho comprometido com compliance, governança corporativa e sustentabilidade financeira.
Por fim ele anuncia que por projetos pessoais em andamento, não renovará seu contrato em março de 2025 com a Unimed Cuiabá e destaca que sua missão de reequilibrar a cooperativa foi muito bem sucedida.
Confira os principais trechos da entrevista.
MidiaNews - Fale sobre sua atuação na Unimed Cuiabá.
Paulo Brustolin - Atualmente, sou consultor executivo da Unimed Cuiabá. Fui procurado pela diretoria eleita em março de 2023 para auxiliar na recuperação da cooperativa, que se encontrava em uma situação muito difícil. Estabeleci um contrato de dois anos, até março de 2025, para montar uma nova equipe e trabalhar tecnicamente na reestruturação da Unimed Cuiabá e contribuir para o seu equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.
MidiaNews - Pois bem, o senhor quando entrou, em março de 2023, se deparou com um balanço contábil não aprovado. O que encontrou exatamente? Quais foram as medidas tomadas?
Paulo Brustolin - Primeiramente, encontramos um balanço contábil do ano de 2022 não aprovado em Assembleia Geral Ordinária (AGO), que é o espaço onde os cooperados aprovam ou não temas referentes à cooperativa. Dentre estes temas, está o balanço.
Inclusive, um dos motivos pela não aprovação foram as falas da contadora da época, já de conhecimento público, que relatou pressão na aprovação e maquiagem dos números da cooperativa. Além disso, a gestão atual da Unimed Cuiabá é composta por cinco ex-Conselheiros Fiscais, que estavam – e estão - dispostos a fazer uma gestão diferente. Assim sendo, naquele momento, quando entrei, nós estabelecemos uma divisão de tarefas.
Eu, fui responsável por elaborar um plano de recuperação da cooperativa. A Diretoria Financeira e sua equipe foram responsáveis por contribuir na parte das auditorias internas, juntamente com a contabilidade e equipes externas. Foram essas auditorias internas que culminaram no desdobramento desses números do balanço contábil.
MidiaNews - E como foram esses primeiros 90 dias dessa atual gestão?
Paulo Brustolin - Foi contratada uma empresa técnica, especializada em auditorias independentes, aprovada pela Diretoria Executiva e pelo Conselho de Administração da Cooperativa. A empresa fez um trabalho de 90 dias para fazer um levantamento linha a linha, número a número, do balanço contábil de 2022.
Os dados foram então publicizados em Assembleia Geral Extraordinária no final de junho de 2023. E foi aí que entre os achados, estava o prejuízo na casa dos R$ 400 milhões. Com isso, apresentamos plano de recuperação para reverter este cenário.
MidiaNews - E quais foram os desdobramentos deste plano de ação, quais principais pontos?
Paulo Brustolin - Foram vários os pontos, mas preciso destacar os principais para que a cooperativa permanecesse em funcionamento. A Unimed Cuiabá possuía mais de duas folhas de pagamento em atraso com a rede prestadora e conseguimos parcelar, prestador a prestador, em 48 vezes mais o IPCA. Isso nos deu um fôlego de mais de R$ 100 milhões. Aliás, aqui reforço que foi fundamental a parceria com a rede prestadora.
Além disso, outro do ponto crucial foi o aporte de R$ 150 milhões por parte dos médicos cooperados, que foi fundamental para que a Unimed Cuiabá pudesse iniciar sua recuperação. Esse aporte, aliás, permitiu que houvesse melhoria na liquidez, que é a relação entre passivo circulante e ativo circulante. Naquele momento, ele era de 0,47 e, com o aporte, passa para 0,67. Isso fez com que a cooperativa continuasse com suas operações normais.
O terceiro ponto foi o ajuste na parte de pessoal. Realizamos um enxugamento de mais de 20% na nossa força de trabalho. E por último, foi essencial o apoio do Sindessmat (Sindicato dos Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Estado de Mato Grosso), que entendeu o momento na fase aguda e auxiliou a negociação de um deflator com a rede de prestadores. Todos esses pontos foram importantes para estabilizar a Unimed Cuiabá.
MidiaNews - Ainda assim, em setembro de 2023 houve o início da direção fiscal na cooperativa.
Paulo Brustolin - Sim. A direção fiscal foi decretada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tendo em vista o risco de um não cumprimento dos compromissos de mercado da Unimed Cuiabá. Dentre diversas atuações, é responsabilidade do diretor fiscal circular informações, fazer auditorias, revisar balanço, caixa, fornecedores, bancos, etc. A direção fiscal é um trabalho de acompanhamento da ANS e ela veio acompanhada, é preciso lembrar, do bloqueio patrimonial dos ex-gestores da cooperativa.
Então, hoje todos esses ex-gestores, tanto da Diretoria Executiva quanto do Conselho de Administração, se encontram com o patrimônio bloqueado por força da direção fiscal. Legalmente é assim que a ANS reconhece os problemas existentes.
MidiaNews - Mas e hoje, a direção fiscal está resolvida?
Paulo Brustolin - Ainda não, existem várias fases e vários pontos a serem equacionados. Hoje posso dizer que a Unimed Cuiabá está equilibrada, mas continuamos em direção fiscal. De minha parte, no entanto, posso afirmar que a Unimed Cuiabá encerrará o ano de 2024 equilibrada atuarialmente, o que demonstra uma mudança na curva de tendência.
MidiaNews - E agora, como está a cooperativa?
Paulo Brustolin - A Unimed Cuiabá encontra-se estabilizada do ponto de vista atuarial e com equilíbrio econômico-financeiro. Este ano, a cooperativa deve apresentar um resultado superior a R$ 95 milhões, o que ajudará na sua recuperação.
Além disso, foi elaborado o planejamento estratégico para 2025, que será executado conjuntamente pela Diretoria Executiva e Conselho de Administração eleito. E um ponto importante: a Unimed Cuiabá teve a homologação e ampliação da direção fiscal, o que significa que temos feito nosso trabalho corretamente.
MidiaNews - Onde o senhor acha que a Unimed Cuiabá falhou?
Paulo Brustolin - Bom, acredito que esse grave problema deixado pela gestão passada não deveria manchar o nome da Unimed Cuiabá. Estamos falando de uma cooperativa que fará 50 anos em 2025 e que é a maior entre as operadoras de Mato Grosso.
Mas o que posso dizer, como sugestão aos atuais gestores e cooperados, é que a cooperativa precisa avançar nas questões estatutárias ligadas à governança e o estatuto atual precisa ser revisto, bem como, deve ser implementado na sua totalidade a norma técnica ABNT NBR ISO 37301:2021, que é uma política de compliance, reconhecida internacionalmente e que faz parte do acordo de leniência assinado pela Diretoria.
MidiaNews - E qual sua opinião a respeito da Operação Bilanz, do Ministério Público Federal e Polícia Federal?
Paulo Brustolin - As investigações foram realizadas pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal e a Unimed Cuiabá não tem participação neste sentido. Ou seja, não cabe a mim falar sobre ela ou questioná-la. Cabe a mim auxiliar na gestão técnica da cooperativa.
MidiaNews - E o acordo de leniência assinado pela cooperativa com o Ministério Público Federal?
Paulo Brustolin - A Unimed Cuiabá, por meio de sua Diretoria Executiva, assinou este acordo. O acordo visa evitar uma série de implicações legais, cíveis e criminais, sobre a cooperativa e, por consequência, sobre seus cooperados. O objetivo principal é proteger a Unimed Cuiabá, de multas milionárias, por isso, fui escalado como negociador do acordo, juntamente com o doutor Válber Mello. Em contrapartida, o MPF não proporá ações cíveis ou sancionatórias contra a Cooperativa.
MidiaNews - O senhor tem uma longa trajetória na saúde suplementar. Pode começar falando um pouco sobre seus anos de atuação e experiência na área?
Paulo Brustolin - Certamente. Minha trajetória na saúde suplementar começou há mais de 25 anos, sempre focada na gestão estratégica e no desenvolvimento de operadoras e seguradoras de saúde. Ao longo dessa jornada, tive a oportunidade de ocupar cargos de liderança em grandes organizações, como a SulAmérica Saúde, a Seguros Unimed e a Unimed do Brasil.
Essas experiências me proporcionaram uma visão ampla e aprofundada sobre os desafios e as oportunidades do setor, especialmente em momentos de transição e reestruturação. Sempre acreditei que governança corporativa, planejamento e execução são pilares fundamentais para garantir a sustentabilidade financeira e a qualidade dos serviços oferecidos no setor de saúde suplementar no Brasil.
MidiaNews - E qual sua visão sobre a saúde suplementar?
Paulo Brustolin - Como o próprio nome indica, a saúde suplementar é um complemento para ampliar a cobertura de saúde no país. Atualmente, esse setor atende cerca de 25% da população brasileira, somando mais de 50 milhões de usuários. Nos últimos 20 anos, o mercado se concentrou em quatro grandes operadoras, que juntas detêm 50% do market share no Brasil. São Paulo é o estado com o maior índice de cobertura, onde mais de 35% da população possui algum plano privado de assistência à saúde.
MidiaNews - E ao que se deve esse índice tão grande em São Paulo?
Paulo Brustolin - Esse índice é resultado, principalmente, da força do emprego e da renda na região, o que aumenta a cobertura. É sempre bom lembrar que um bom Plano de Saúde ajuda a reter talentos nas empresas, diminui o turn-over e o absenteísmo. São Paulo é a maior economia do Brasil, concentrando mais de 30% do PIB nacional. Além disso, o mercado de saúde suplementar vem mudando drasticamente nas últimas décadas.
MidiaNews - E quais são essas mudanças?
Paulo Brustolin - Bom, o mercado apresenta uma nova estrutura, com o surgimento de novos players na última década, especialmente operadoras verticalizadas como NotreDame Intermédica e Hapvida. Essas empresas conseguiram penetrar e crescer no mercado de saúde suplementar, figurando hoje entre os quatro maiores players do país.
MidiaNews - E a respeito da região Centro-Oeste, muito menor quando falamos em volume populacional, por exemplo?
Paulo Brustolin - O Centro-Oeste é uma grande fronteira econômica, impulsionada pela força motriz do agronegócio. A região cresce exponencialmente e o setor de saúde suplementar acompanha esse ritmo, com novas operadoras e iniciativas. Em Brasília, por exemplo, várias medicinas de grupo estão sendo implementadas. A região se torna cada vez mais atrativa com a distribuição de renda positiva no país. Eu diria que, na saúde suplementar, o Centro-Oeste é nosso novo “Eldorado”.
MidiaNews - E a respeito de Mato Grosso, qual sua opinião sobre a saúde pública do Estado?
Paulo Brustolin - Como cidadão, o Governo do Estado está no caminho certo e tem feito muito pela saúde pública. Focar na infraestrutura da saúde foi uma decisão muito acertada. Mato Grosso, que não contava com hospitais estaduais, hoje tem seis hospitais em fase de conclusão.
Esses investimentos em infraestrutura são cruciais, para as próximas décadas o Estado está sendo preparado para atender sua população, com responsabilidade. O Hospital Central é um exemplo de avanço significativo, disso que estou falando. Em minha visão, o governador Mauro Mendes e o vice-governador Otaviano Pivetta têm contribuído muito para o desenvolvimento da saúde pública em Mato Grosso.
MidiaNews - E a respeito da saúde suplementar, como a enxerga no Estado?
Paulo Brustolin - A saúde suplementar desempenha um papel fundamental em Mato Grosso, complementando o sistema público em um estado com economia em crescimento. Ou seja, cresce a economia, aumenta também a demanda por serviços de saúde de altíssima qualidade. Vejo que há um grande potencial para o setor continuar crescendo, especialmente devido ao fortalecimento do agronegócio e ao aumento da renda em várias regiões. Isso gera mais condições para que as pessoas busquem planos de saúde, com atendimento diferenciado.
MidiaNews - O senhor afirmou que tem um contrato de prazo determinado com a Unimed Cuiabá, que não renovará em março de 2025. Quais são seus planos futuros?
Paulo Brustolin - Exatamente. Meu prazo é determinado em contrato e eu deixei muito claro para a Direção Executiva da cooperativa, desde o início, que eu não pretendia renová-lo. Dessa forma, continuarei exercendo as minhas atividades empresariais.
Meu compromisso com a saúde privada de Mato Grosso, no seu momento mais crítico está realizado, bem como, na Unimed Cuiabá. A partir do próximo ano são os gestores eleitos que determinarão o futuro da cooperativa.
MidiaNews - Por fim, quais são seus próximos passos?
Paulo Brustolin - Meus próximos passos incluem continuar conduzindo minhas atividades empresariais com foco em inovação e resultados, além de concluir meu doutorado em Finanças na FGV-SP, um projeto que tem ampliado minha visão estratégica e contribuído para minha formação acadêmica e profissional.